Um olhar “aditivo” para o processo de aprendizagem
Baseado em livro que narra uma história verídica, o filme conta a vida de Kyle, um menino autista de seis anos, que vive em seu próprio mundo, entregue a algumas (poucas) atividades, dentre as quais se destaca assistir vídeos de animação que têm como protagonista um trem, de nome Thomas, muito popular entre as crianças inglesas.
Os pais de Kyle encontram dificuldades em se relacionar com ele (e entre si também, principalmente no que diz respeito ao que fazer com o filho), mas a avó materna parece encontrar maneiras de fazê-lo realizar algumas ações. É dela a ideia de usar um boneco para dizer ao neto que ele deve fazer alguma coisa, como comer, ou parar de fazer alguma coisa porque é hora de ir embora. Com esse estratagema, ela consegue que o menino a obedeça.
Também é dela a ideia de dar um cachorro para Kyle, o qual é imediatamente nomeado de Thomas por ele. Com isso, fica evidente que ele, nesse momento, transfere para o cachorro o vínculo positivo que dispensava para o personagem do desenho animado, atitude esta que traz bons presságios.
E de fato, desde o início da convivência com Thomas, Kyle começa a apresentar notáveis avanços, como brincar, realizar ações rotineiras (ir para a cama, comer, pedir para fazer xixi), conversar e até mesmo desenhar, embora todos os avanços estejam fortemente conectados com o cachorro, o que ainda deixa os pais um pouco de fora da vida do filho.
O foco desta Cineminhola é refletir sobre a direção em que o processo de aprendizagem deve ocorrer, principalmente nos casos de crianças que têm uma maneira muito particular de ver e de viver o mundo, carreguem elas qualquer rótulo que seja – autismo, dislexia ou mesmo alguma das síndromes que hoje tanto tiram o sono das escolas. Independentemente do diagnóstico que as caracterize, o fato é que podemos olhar para essas crianças com olhos educativos de natureza “subtrativa” ou “aditiva”.
O olhar de subtração é o que observa tudo aquilo que a criança ainda não faz e mede o quanto suas condutas e suas aprendizagens se distanciam do “normal” e do esperado. O olhar aditivo, pelo contrário, se encanta com cada nova aprendizagem, vai somando-a às anteriores e deixa escancarada a expectativa de que outras tantas virão, mesmo que custem a chegar ou que acabem não vindo.
Particularmente, penso que é melhor apostar que novas aprendizagens são possíveis do que colocar todas as fichas em uma certeza (baseada em que bola de cristal?) de que o futuro é sombrio porque o processo de aprender irá estagnar ou já fechou as portas. Neste momento, parece-me oportuno relembrar uma deliciosa frase do poeta francês Jean Cocteau: “não sabendo que era impossível, foi lá e fez”.
Crianças como Kyle precisam de adultos que se dirijam para dentro de seu universo e de lá de dentro comecem a trazê-las para o universo cá de fora. No caso específico deste menino, no entanto, quem cumpriu esse papel inicialmente foi um cachorro, sendo que seus pais, ao perceber que podiam se comunicar com o filho fazendo-se passar pelo animal, conseguiram entrar em cena e assumir as rédeas desse longo e doloroso percurso de um universo ao outro.
O menino verdadeiro (chamado Dale Gardner), que inspirou o personagem do filme, declarou, aos 18 anos, que se os pais não tivessem se comunicado com ele por meio do cachorro, teria parado de falar completamente, tal era o pavor que experimentava ao se deparar com a complexa variedade de feições faciais e corporais que as pessoas utilizam ao se comunicar. Em oposição a isso, a simplicidade das expressões faciais do cachorro foi o que permitiu Dale, na vida real, sentir-se confiante o suficiente para iniciar seu processo de comunicação e, por conseguinte, de aprendizagem.
Enfim, a mim me parece que o caminhar educativo sobre crianças e jovens que vivem em outros mundos ou usam óculos diferentes da maioria para ver o mundo de cá, seja qual for a problemática que os aprisiona, deve começar com a iniciativa do adulto se movendo na direção da criança ou do jovem para buscar entender, pelo lado de dentro de seu universo, a construção do seu sistema de significações e, de lá, vir acompanhando-o, em atitude permanentemente aprendente, o passo a passo de sua jornada para o universo de cá, sem jamais deixar de acolher as conquistas obtidas com olhos aditivos em vez de subtrativos.
Ficou curioso?
O filme feito para TV “Meu Filho Meu Mundo” (no original, Son-Rise, A miracle of Love, de Glenn Jordan, EUA, 1979) também retrata uma história verídica de autismo, que redundou na criação de uma metodologia revolucionária para cuidar de pessoas autistas.
Disponibilizamos o filme, para que todos possam assistir e observar o quanto que a introdução do cão no ambiente familiar, foi fundamental para essa criança e seu desenvolvimento. Preparem os lençinhos, o filme é lindo!
Disponibilizamos o filme, para que todos possam assistir e observar o quanto que a introdução do cão no ambiente familiar, foi fundamental para essa criança e seu desenvolvimento. Preparem os lençinhos, o filme é lindo!