sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Mudança alimentar ajudou na domesticação dos cães


Adaptação genética fez com que lobos se tornassem capazes de digerir o amido, o que os aproximou dos primeiros agricultores, segundo um estudo sueco. O processo teria sido iniciado há cerca de 12 mil anos


A domesticação dos cães foi um episódio importante para o desenvolvimento da civilização humana. Entretanto, ainda não há consenso entre os pesquisadores sobre o momento e o local da aproximação entre as duas espécies. Além disso, os especialistas pouco sabem sobre as mudanças genéticas que acompanharam a transformação dos lobos selvagens em animais de companhia. A partir de um estudo comparativo do genoma completo de 60 cachorros e 12 lobos, uma pesquisa da Universidade de Uppsala, na Suécia, sugere uma nova explicação para a origem dos cachorros de estimação. Publicado na edição mais recente da revista Nature, o artigo defende que esses bichos se tornaram o melhor amigo do homem ao sofrer adaptações genéticas que os permitiram digerir melhor o amido.

“Os sinais genéticos que nós observamos mostram que somente os cães que eram capazes de digerir o amido de forma relativamente eficiente sobreviveram e se reproduziram”, explica o biólogo Erik Axelsson, principal autor do estudo. Segundo ele, tal resultado indica que os recursos alimentares nesse período de transição podem ter diminuído e aqueles indivíduos que conseguiram complementar a dieta padrão de carne com alimentos ricos em amido — e, de fato, digeri-los — adquiriram uma vantagem importante em relação aos outros. Isso não quer dizer que os cães preferiam o amido, mas tão somente que podiam fazer bom uso do polissacarídeo.

As raízes foram, provavelmente, a primeira fonte de amido encontrada pelos ancestrais do cachorro doméstico. Curiosamente, os principais vestígios arqueológicos de cães identificados em uma sepultura humana em Israel datam de 11 mil a 12 mil anos atrás, época que coincide com o surgimento da agricultura. Faz sentido, então, pensar que, nesse período, os cereais tornaram-se importantes e se alastraram por diversos assentamentos humanos. Isso porque um dos principais aspectos trazidos pela agricultura foi a mudança do nomadismo para o sedentarismo, em que os grupos humanos passaram a se fixar em determinados locais estratégicos. Por outro lado, foi também nesse contexto que se iniciou a acumulação de lixo próximo às moradas dos homens. “Uma hipótese diz que a domesticação decolou quando os lobos começaram a se aproximar das lixeiras perto dos assentamentos agrícolas. Esses talvez foram os locais onde os cães comeram amido pela primeira vez”, detalha Axelsson.

Hipóteses 
O biólogo acrescenta que a hipótese do depósito de lixo é atraente, pois pode explicar, ao mesmo tempo, as mudanças comportamentais e digestivas dos ancestrais caninos: para se dar bem no novo ambiente onde os resíduos eram despejados, os lobos precisavam ser menos amedrontadores e conseguir processar bem o amido. Até então, a tese mais aceita para o início da domesticação era a de que o homem teria utilizado os filhotes de lobos para auxiliar na caça ou como proteção. Apesar de não ter elementos para confirmar ou destruir nenhuma das duas teses, o autor ressalta que os genes marcam de forma clara as diferenças entre os animais selvagens e os domesticados.

No total, os pesquisadores identificaram 36 regiões do genoma que provavelmente sofreram modificações ao longo do processo de domesticação e adaptação evolutiva do cachorro. Apesar das 14 espécies distintas dos bichos de estimação analisados, o estudo constatou que essas áreas genéticas são praticamente idênticas em todos os cães. Ao mesmo tempo, elas diferem marcadamente do genoma do lobo. Em outras regiões, os pesquisadores descobriram que cachorros e lobos compartilham muitas variantes genéticas iguais. Segundo eles, mais da metade dessas áreas estão ligadas às funções cerebrais, principalmente ao desenvolvimento do sistema nervoso, e poderiam explicar as diferenças de comportamento que separam os dois animais. Outros três genes, por sua vez, desempenham papel determinante na digestão do amido, um glicídeo de origem vegetal.

“A domesticação só se processa a partir do momento em que a maquiagem genética se modifica. Não se trata de um processo de somente amansar o animal, ou de aproximá-lo do homem”, reforça Walter Motta Ferreira, professor do Departamento de Zootecnia da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ferreira é doutor em nutrição animal e pondera que, apesar de o cachorro ainda hoje ser morfofisiologicamente carnívoro, ele se adaptou muito bem a uma dieta onívora para uma participação mais próxima do humano. “O que o estudo sueco mostrou é que, nos cachorros, existe uma zona de genes envolvidos com a produção de enzimas que vão suportar uma dieta mais rica em carboidratos solúveis, principalmente o amido.” Segundo ele, como o lobo permanece um animal selvagem, esse padrão genético não foi alterado com o decorrer do tempo, o que o tornou inadaptável a uma dieta mais rica em amido.

Nutrição deve ser equilibrada
Milênios depois da aproximação de homens e cães, os simpáticos e fiéis bichinhos conquistaram um lugar de destaque na vida de muitas pessoas. Preocupados com o bem-estar de seus companheiros, muitos donos ficam em dúvida sobre a melhor forma de alimentá-los. A pesquisa sueca seria um incentivo a dar mais amido aos cachorros? Não, pelo contrário. Segundo Michele Russo Stein, especialista responsável pela nutrição das rações Purina, do Distrito Federal, a palavra mais importante nesse aspecto é equilíbrio. Stein explica que uma nutrição eficaz não pode ter excessos ou faltas e que deve ser adaptada de acordo com o espécime. “Gatos e cachorros são bem diferentes. Pelo histórico de todo o processo evolutivo, o gato é muito mais carnívoro do que o cão e digere menos o amido. De qualquer forma, o cão também não pode ingerir amido em excesso. Mais do que ter ou não ter tal nutriente, é a quantidade e qualidade que importa”.

Rações De acordo com a especialista, nas rações atuais, o amido representa mais de 60% do carboidrato presente no alimento industrial. Stein defende que o glicídeo é uma importante fonte de energia, mas precisa ser processado de forma correta para que não faça mal ao animal. Ela reforça que a porcentagem adequada para os alimentos secos comerciais é de 30% a 60% de carboidrato. Já nos enlatados, o ideal é uma quantia que varia até 30%. As principais fontes de amido presentes nas rações são o milho, a soja e o arroz. Normalmente, quanto mais barata for a ração, menor será a proporção de proteína animal, como frango, salmão e cordeiro, e maior será a de produtos vegetais. O problema, entretanto, é que a alimentação com muito amido acaba sendo mais difícil de ser digerida. “Os humanos têm enzimas na saliva que já começam a digerir o amido na mastigação, mas os animais não. Por isso só iniciam o processo no intestino, o que já dificulta o processo”, acrescenta.

O zootecnista Walter Motta Ferreira pondera que os cachorros têm uma vida muito mais curta do que os humanos e, por isso, dependem de uma alimentação mais balanceada. “Você encontra nos cães problemas semelhantes aos sofridos pelos humanos. Eles podem contrair doenças metabólicas como o diabetes”, lembra. Apesar de a domesticação do cachorro ter sido um reflexo de uma dieta que incluiu o amido, os donos precisam considerar que, para fornecer qualidade de vida ao melhor amigo é preciso respeitar as diferenças fisiológicas do animal. Buscar uma ração de qualidade e procurar não dar comida com muito amido podem melhorar ainda mais a relação. (MU)

Fonte: Estado de Minas

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